"O amor, quando se revela, não se sabe revelar. Sabe bem olhar pra ela, mas não lhe sabe falar."
Fernando Pessoa

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Divirtam-se com moderação =D





REMORSO

Deus criou o mundo em seis dias, descansou no domingo e na segunda se
arrependeu. Desde então, a segunda-feira ficou consagrada como dia internacional do
remorso. Dia de ardência no esôfago e segundos pensamentos. De telefonar para os amigos
e avisar que não nos responsabilizamos por nada dito, feito ou sugerido das seis horas de
sexta-feira à meia-noite de domingo. Nem pelas ofensas nem pelos elogios.
— Alô, Fulano? Desculpe por tudo.
— Desculpe por quê?
— Não sei, mas desculpe. Não me lembro de mais nada depois que saímos do
Butikin.
— Mas nós não estivemos no Butikin.
— Então foi pior do que eu pensava. Escuta, quantos são os mandamentos?
— Da última vez que contaram eram dez.
— Eu só me lembro de ter desejado a tua mulher, deixa ver, levantado falso
testemunho, roubado, desonrado meus antepassados por várias gerações... Até aí são quatro,
só na sexta-feira.
— Mas você me deu uma grande alegria, disse que eu era um cara sensacional e...
— Então são cinco, menti também. Em todo caso, obrigado por me trazer em casa.
— Mas foi você quem nos deixou em casa no seu carro.
— Impossível, eu não tenho carro! Que noite...
A Loteria Esportiva institucionalizou o remorso. Você começa se martirizando por
não ter adivinhado — meu Deus, tava na cara! — que o Palmeiras empatava com o Sergipe
e termina desencavando culpas arqueológicas, dando toda razão aos fados por não
premiarem o seu indigno, ignóbil, pretensioso, ridículo cartão da Loteria. E a Sena, você
tem certeza, só sai para os puros de espírito. Aí você jura que não bebe, não peca e não joga,
nunca mais. Ou pelo menos até a próxima quinta-feira.

Um comentário: