"O amor, quando se revela, não se sabe revelar. Sabe bem olhar pra ela, mas não lhe sabe falar."
Fernando Pessoa

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

5. FORMAÇÃO DO CONTRATO - Carlos Roberto Gonçalves

5. FORMAÇÃO DO CONTRATO

5.1. A PROPOSTA

5.1.1. A OFERTA NO CÓDIGO CIVIL

O contrato resulta de duas manifestações de vontade: a proposta e a aceitação. A primeira, também chamada oferta, policitação ou oblação, dá início à formação do contrato e não depende, em regra, de forma especial (CC, art. 1.079). É antecedida de uma fase, às vezes prolongada, de negociações preliminares (conversações, estudos), também denominada fase da puntuação. Nesta, como as partes ainda não manifestaram a sua vontade, não há nenhuma vinculação ao negócio. Qualquer delas pode afastar-se, simplesmente alegando desinteresse, sem responder por perdas e danos. Tal responsabilidade só ocorrerá se ficar demonstrada a deliberada intenção, com a falsa manifestação de interesse, de causar dano ao outro contraente (perda de outro negócio ou realização de despesas, p. ex.). O fundamento para o pedido de perdas e danos da parte lesada não é, neste caso, o inadimplemento contratual, mas a prática de um ilícito civil (CC, art. 159).
A proposta, desde que séria e consciente, vincula o proponente (CC, art. 1.080). Pode ser provada por testemunhas, qualquer que seja o seu valor. A sua retirada sujeita o propo nente ao pagamento das perdas e danos. A lei abre, entretanto,
várias exceções a essa regra. Dentre elas não se encontra, contudo, a morte ou a interdição do policitante. Nestes dois casos respondem, respectivamente, os herdeiros ou curadores do incapaz pelas conseqüências jurídicas do ato. As aludidas exceções encontram-se no art. 1.080 do Código Civil, que assim dispõe: "A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso". Destarte, não obriga o proponente, em primeiro lugar, se contiver cláusula expressa a respeito. É quando o próprio proponente declara que não é definitiva e se reserva o direito de retirá-la. Em segundo lugar, em razão da natureza do negócio. É o caso das chamadas propostas abertas ao público, que se consideram limitadas ao estoque existente. E, por último, em razão das circunstâncias do caso, mencionadas no art. 1.081 do mesmo diploma. O referido dispositivo declara que a proposta deixa de ser obrigatória: I - Se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Quando o solicitado responde que irá estudar a proposta feita por seu interlocutor, poderá este retirá-la. Considera-se presente - aduz o dispositivo em tela - "a pessoa que contrata por meio de telefone". Presente, portanto, é aquele que conversa diretamente com o policitante, mesmo que por algum outro meio mais moderno de comunicação a distância, e não só por telefone, e ainda que os interlocutores estejam em cidades, estados ou países diferentes. II - Se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente. Cuida-se de oferta enviada, por corretor ou correspondência, a pessoa ausente. O prazo suficiente para a resposta varia conforme as circunstâncias. É o necessário ou razoável para que chegue ao conhecimento do proponente e denomina-se prazo moral. Entre moradores próximos, não deve ser muito longo. Diferente será o entendimento se os partícipes do negócio residirem em locais distantes e de acesso demorado. III - Se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado. Se foi fixado prazo para a resposta, o proponente terá de esperar pelo seu término. Esgotado, sem resposta, estará este liberado. IV - Se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. É facultado ao policitante retratar-se, retirando a proposta formu lada, desde que tal manifestação ocorra antes de seu recebimento pelo solicitado, ou simultaneamente a ele. Por exemplo: antes que o mensageiro entregue a proposta ao outro contratante, o ofertante entende-se diretamente com ele, por algum meio rápido de comunicação, retratando-se. A proposta, in casu, não chegou a existir juridicamente, porque retirada a tempo.

5.2. A ACEITAÇÃO

Aceitação é a concordância com os termos da proposta. É manifestação de vontade imprescindível para que se repute concluído o contrato. Para tanto, deve ser pura e simples. Se apresentada fora do prazo, com adições, restrições ou modificações, importará nova proposta (CC, art. 1.083), comumente denominada contraproposta. Como a proposta perde a força obrigatória depois de esgotado o prazo concedido pelo proponente, a posterior manifestação do solicitado ou oblato também não obriga o último, pois aceitação não temos e, sim, nova proposta. O mesmo se pode dizer quando este não aceita a oferta integralmente, introduzindo-lhe restrições ou modificações.
A aceitação pode ser expressa ou tácita. A primeira decorre de declaração do aceitante, manifestando a sua anuência; a segunda, de sua conduta, reveladora do consentimento. O art. 1.084 do Código Civil menciona duas hipóteses de aceitação tácita, em que se reputa concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa: a) quando o negócio for daqueles em que se não costuma a aceitação expressa; b) ou quando o proponente a tiver dispensado. Se, por exemplo, um fornecedor costuma remeter os seus produtos a determinado comerciante, e este, sem confirmar os pedidos, efetua os pagamentos, instaura-se uma praxe comercial. Se o último, em dado momento, quiser interrompê-la, terá de avisar previamente o fornecedor, sob pena de ficar obrigado ao pagamento de nova remessa, nas mesmas bases das anteriores. Costuma-se mencionar, como exemplo da situação descrita na letra b, a hipótese do turista que remete um fax a determinado hotel, reservando acomodações, informando que a chegada se dará em tal data, se não receber aviso em contrário. Não chegando a tempo a negativa, reputar-se-á concluído o contrato. Malgrado o contrato se aperfeiçoe com a aceitação, o Código Civil trata de duas hipóteses em que tal manifestação de vontade deixa de ter força vinculante. A primeira encontra-se no art. 1.082, que preceitua: "Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-la-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos".
Assim, se embora expedida no prazo, a aceitação chegou tardiamente ao conhecimento do policitante, quando este já celebrara negócio com outra pessoa, a circunstância deverá ser, sob pena de responder por perdas e danos, imediatamente comunicada ao oblato, que tem razões para supor que o contrato esteja concluído e pode realizar despesas que repute necessárias ao seu cumprimento. A segunda exceção diz respeito à retratação, também permitida ao
aceitante, no art. 1.085, nos seguintes termos: "Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante".

5.4. LUGAR DA CELEBRAÇÃO

Segundo dispõe o art. 1.087 do Código Civil, "reputarse-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto". Optou o legislador, pois, pelo local em que a proposta foi feita (RT, 713:121). Aparentemente, tal solução encontra-se em contradição com a expressa adoção da teoria da expedição, no dispositivo anterior. Entretanto, para quem, como nós, entende que o Código Civil acolheu, de fato, a da recepção, inexiste a apontada contradição. Por sua vez, a Lei de Introdução ao Código Civil estatui que "a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente". Tal dispositivo aplica-se aos casos em que os contratantes residem em países diferentes.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Licitações - Maria Sylvia Zanella Di Pietro

Capítulo 9 - Licitação
9.1 CONCEITO
Aproveitando, parcialmente, conceito de José Roberto Dromi (1972:92), pode-se definir a licitação como o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato.
Ao falar-se em procedimento administrativo está-se fazendo referência a uma série de atos preparatórios do ato final objetivado pela Administração. A licitação é um procedimento integrado por atos e fatos da Administração e atos e fatos do licitante, todos contribuindo para formar a vontade contratual. Por parte da Administração, o edital ou convite, o recebimento das propostas, a habilitação, a classificação, a adjudicação, além de outros atos intermediários ou posteriores, como o julgamento de recursos interpostos pelos interessados, a revogação, a anulação, os projetos, as publicações, anúncios, atas etc. Por parte do particular, a retirada do edital, a proposta, a desistência, a prestação de garantia, a apresentação de recursos, as impugnações.
A expressão ente público no exercício da função administrativa justifica-se pelo fato de que mesmo as entidades privadas que estejam no exercício de função pública, ainda que tenham personalidade jurídica de direito privado, submetem-se à licitação. Note-se que as entidades da administração indireta, com personalidade de direito privado, como empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações, costumam ser chamadas por alguns autores de entidades públicas de direito privado, por terem o regime de direito comum parcialmente derrogado por normas de direito público; é o caso dos dispositivos constitucionais que impõem licitação (arts. 22, XXVII, e 37, caput, na redação da Emenda Constitucional nº. 19/98, combinado com inciso XXI).
Pela licitação, a Administração abre a todos os interessados que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de apresentação de proposta. Quando a Administração convida os interessados pela forma de convocação prevista na lei (edital ou carta-convite), nesse ato convocatório vêm contidas as condições básicas para participar da licitação, bem como as normas a serem observadas no contrato que se tem em vista celebrar; o atendimento à convocação implica a aceitação dessas condições por parte dos interessados. Daí a afirmação segundo a qual o edital é a lei da licitação e, em conseqüência, a lei do contrato. Nem a administração pode alterar as condições, nem o particular pode apresentar propostas ou documentação em desacordo com o exigido no ato de convocação, sob pena de desclassificação ou inabilitação, respectivamente.
Finalmente, a expressão possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará a mais conveniente para a celebração de contrato encerra o conceito de licitação. No direito privado, em que vigora o princípio da autonomia da vontade, o contrato celebra-se mediante a apresentação de uma oferta que o outro aceita. No direito administrativo, a licitação equivale a uma oferta dirigida a toda a coletividade de pessoas que preencham os requisitos legais e regulamentares constantes do edital; dentre estas, algumas apresentarão suas propostas, que equivalerão a uma aceitação da oferta de condições por parte da Administração; a esta cabe escolher a que seja mais conveniente para resguardar o interesse público, dentro dos requisitos fixados no ato convocatório.

9.3 PRINCÍPIOS
Uma primeira observação é no sentido de que a própria licitação constitui um princípio a que se vincula a Administração Pública. Ela é uma decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público e que se constitui em uma restrição à liberdade administrativa na escolha do contratante; a Administração terá que escolher aquele cuja proposta melhor atenda ao interesse público. O princípio da indisponibilidade do interesse público também exige que as empresas estatais, embora regidas pelo direito privado, se submetam à licitação, uma vez que administram recursos total ou parcialmente públicos. Isto significa que, com a nova redação do dispositivo constitucional, as empresas estatais vão poder dispor de procedimento próprio para suas licitações. Mas não estarão dispensadas de observar os princípios da licitação.
9.3.1 Princípio da igualdade
O princípio da igualdade constitui um dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa, não apenas permitir à Administração a escolha da melhor proposta, como também assegurar igualdade de direitos a todos os interessados em contratar. Esse princípio, que hoje está expresso no artigo 37, XXI, da Constituição, veda o estabelecimento de condições que impliquem preferência em favor de determinados licitantes em detrimento dos demais.
No § 1º., inciso I, do mesmo artigo 3º., está implícito outro princípio da licitação, que é o da competitividade decorrente do princípio da isonomia: é vedado aos agentes públicos “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato”.
No mesmo § 1º., inciso II, do artigo 3º., da Lei nº. 8.666, há ainda outra aplicação do princípio da isonomia, quando se veda aos agentes públicos “estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamento, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte e no artigo 3º. da Lei nº. 8.248, de 23-10-91”.
A primeira exceção, prevista no § 2º. do artigo 3ó, é a que assegura, em igualdade de condições, como critério de desempate, preferência, sucessivamente, aos bens e serviços: “I - produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional; II - produzidos no País; III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras”.
A segunda exceção refere-se às aquisições de bens e serviços de informática e automação, para dar preferência aos produzidos por empresas de capital nacional, observada a seguinte ordem: “I - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país; II - bens e serviços produzidos no País, com significativo valor agregado local”.
Essas duas exceções não conflitam com o princípio da isonomia, uma vez que o artigo 5º. da Constituição somente assegura igualdade entre brasileiros e estrangeiros em matéria de direitos fundamentais.
A preocupação com a isonomia e a competitividade ainda se revelam em outros dispositivos da Lei nº. 8.666; no artigo 30, § 5º., é vedada, para fins de habilitação, a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta lei, que inibam a participação na licitação; no artigo 42, referente às concorrências de âmbito internacional, em que se procura estabelecer igualdade entre brasileiros e estrangeiros: pelo § 1º., “quando for permitido ao licitante estrangeiro cotar preço em moeda estrangeira, igualmente o poderá fazer o licitante brasileiro”; pelo § 3º. do artigo 42, “as garantias pagamento ao licitante brasileiro serão equivalentes àquelas oferecidas ao licitante estrangeiro”; pelo § 4º., “para fins de julgamento da licitação, as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames conseqüentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda”; e, pelo § 6º., “as cotações de todos os licitantes serão para entrega no mesmo local de destino”; o artigo 90 define como crime o ato de frustrar ou fraudar o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.
Embora tenha que haver competição, ela não é inteiramente livre, pois a proteção do interesse público exige a imposição de certas normas que afastam, por exemplo, as pessoas jurídicas não regularmente constituídas, as que não apresentem idoneidade técnica ou financeira; além disso, a competição é menos livre em determinadas hipóteses de licitação, como a tomada de preços e o convite, em que a participação fica restringida, no primeiro caso, aos previamente inscritos no registro cadastral e, no segundo, aos convocados pela Administração de acordo com sua própria escolha.


9.3.2 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade, já analisado no item 3.3.1 em relação à Administração Pública em geral, é de suma relevância, em matéria de licitação, pois esta constitui um procedimento inteiramente vinculado à lei; todas as suas fases estão rigorosamente disciplinadas na Lei nº. 8.666, cujo artigo 4º. estabelece que todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o artigo 1º. têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido na lei. Tratando-se de direito público subjetivo, o licitante que se sinta lesado pela inobservância da norma pode impugnar judicialmente o procedimento. Além disso, mais do que direito público subjetivo, a observância da legalidade foi erigida em interesse difuso, passível de ser protegido por iniciativa do próprio cidadão. É que a Lei nº. 8.666 previu várias formas de participação popular no controle da legalidade do procedimento (arts. 4º., 41, § 1º.,101 e 113, § 1º.), ampliou as formas de controle interno e externo e definiu como crime vários tipos de atividades e comportamentos que anteriormente constituíam, em regra, apenas infração administrativa (arts. 89 a 99) ou estavam absorvidos no conceito de determinados tipos de crimes contra a Administração (Código Penal e Lei nº. 8.429, de 2-6-92, que define os atos de improbidade administrativa).

9.3.3 Princípio da impessoalidade
O princípio da impessoalidade, já analisado no item 3.3.3, aparece, na licitação, intimamente ligado aos princípios da isonomia e do julgamento objetivo: todos os licitantes devem ser tratados igualmente, em termos de direitos e obrigações, devendo a Administração, em suas decisões, pautar-se por critérios objetivos, sem levar em consideração as condições pessoais do licitante ou as vantagens por ele oferecidas, salvo as expressamente previstas na lei ou no instrumento convocatório.

9.3.4 Princípio da moralidade e da probidade
O princípio da moralidade, conforme visto no item 3.3.11, exige da Administração comportamento não apenas lícito, mas também consoante com a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade. Além de previsto nos artigos 37, caput, e 5º., LXXIII, da Constituição, o Decreto-lei nº. 2.300 o incluía no artigo 3º. com o nome de princípio da probidade, que nada mais é do que honestidade no modo de proceder.
A Lei nº. 8.666 faz referência à moralidade e à probidade, provavelmente porque a primeira, embora prevista na Constituição, ainda constitui um conceito vago, indeterminado, que abrange uma esfera de comportamentos ainda não absorvidos pelo Direito, enquanto a probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa já tem contornos bem mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituição estabelece sanções para punir os servidores que nela incidem (art. 37, § 4º.). O crime de improbidade administrativa está definido na Lei nº. 8.429, de 2-6-92; no que se refere à licitação, não há dúvida de que, sem usar a expressão improbidade administrativa, a Lei nº. 8.666, nos artigos 89 a 99, está punindo, em vários dispositivos, esse tipo de infração.

9.3.5 Princípio da publicidade
Outro princípio previsto no artigo 3º. da Lei nº. 8.666, é o da publicidade (v. item 3.3.10), que diz respeito não apenas à divulgação do procedimento para conhecimento de todos os interessados, como também aos atos da Administração praticados nas várias fases do procedimento, que podem e devem ser abertas aos interessados, para assegurar a todos a possibilidade de fiscalizar sua legalidade. A publicidade é tanto maior quanto maior for a competição propiciada pela modalidade de licitação; ela é a mais ampla possível na concorrência, em que o interesse maior da Administração é o de atrair maior número de licitantes, e se reduz ao mínimo no convite, em que o valor do contrato dispensa maior divulgação.

9.3.6 Princípio da vinculação ao instrumento convocatório
Trata-se de princípio essencial cuja inobservância enseja nulidade do procedimento. Além de mencionado no artigo 3º. da Lei nº. 8.666, ainda tem seu sentido explicitado no artigo 41, segundo o qual “a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”. E o artigo 43, inciso V ainda exige que o julgamento e classificação das propostas se façam de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital. O princípio dirige-se tanto à Administração, como se verifica pelos artigos citados, como aos licitantes, pois estes não podem deixar de atender aos requisitos do instrumento convocatório (edital ou carta-convite); se deixarem de apresentar a documentação exigida, serão considerados inabilitados e receberão de volta, fechado, o envelope-proposta (art. 43, inciso II); se deixarem de atender às exigências concernentes à proposta, serão desclassificados (art. 48, inciso I). Quando a Administração estabelece, no edital ou na carta-convite, as condições para participar da licitação e as cláusulas essenciais do futuro contrato, os interessados apresentarão suas propostas com base nesses elementos, ora, se for aceita proposta ou celebrado contrato com desrespeito às condições previamente estabelecidas, burlados estarão os princípios da licitação, em especial o da igualdade entre os licitantes, pois aquele que se prendeu aos termos do edital poderá ser prejudicado pela melhor proposta apresentada por outro licitante que os desrespeitou. Também estariam descumpridos os princípios da publicidade, da livre competição e do julgamento objetivo com base em critérios fixados no edital.

9.3.7 Princípio do julgamento objetivo
Quanto ao julgamento objetivo, que é decorrência também do princípio da legalidade, está assente seu significado: o julgamento das propostas há de ser feito de acordo com os critérios fixados no edital. E também está consagrado, de modo expresso, no artigo 45, em cujos termos “o julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle”. Para fins de julgamento objetivo, o mesmo dispositivo estabelece os tipos de licitação: de menor preço, de melhor técnica, de técnica e preço e o de maior lance ou oferta (v. item 9.7.1.3).
A respeito desse assunto, existe acórdão proferido pelo Tribunal Federal de Recursos, em mandado de segurança impetrado contra o INAMPS (Mandado de Segurança nº. 104.932, in RDA 161/226), por licitante que foi preterido no julgamento, não obstante tivesse apresentado a proposta de menor preço. A justificativa da autoridade impetrada foi no sentido de que não se tratava, no caso, de licitação de menor preço, mas sim da mais vantajosa; e adjudicou ao licitante que apresentara o quinto maior preço. Houve, no caso, invocação, pelo Tribunal, de quatro princípios que devem estar presentes em todo contrato administrativo: legalidade, moralidade, finalidade e publicidade. Em tendeu que se for preterida a proposta de menor preço, a Administração deve fundamentar a sua escolha, sob pena de nulidade do ato por falta de motivação. No caso em tela, o edital não indicara critérios objetivos que possibilitassem a apreciação de outros fatores no julgamento das propostas, conforme artigo 130, IV do Decreto-lei nº. 200/67. Apenas repetiu a norma do caput do artigo 133 que prevê que na fixação de critérios para julgamento das licitações levar-se-ão em conta, no interesse do serviço público, as condições de qualidade, rendimento, preços etc.
Na ausência de critérios, tem-se que presumir que a licitação é a de menor preço. Sendo assim, a preterição da proposta de menor preço tem que ser justificada. Além de conceder a segurança, o Tribunal ainda determinou encaminhamento de peças dos autos ao Ministério Público, para as providências cabíveis, tendo em vista ofensa ao artigo 335 do Código Penal (impedimento, perturbação ou fraude de concorrência).

9.3.8 Princípio da adjudicação compulsória
Com relação ao princípio da adjudicação compulsória, significa, segundo Hely Lopes Meirelles (1989:244), que a Administração não pode, concluído o procedimento, atribuir o objeto da licitação a outrem que não o vencedor. “A adjudicação ao vencedor é obrigatória, salvo se este desistir expressamente do contrato ou o não firmar no prazo prefixado, a menos que comprove justo motivo. A compulsoriedade veda também que se abra nova licitação enquanto válida a adjudicação anterior”. Adverte ele, no entanto, que “o direito do vencedor limita-se à adjudicação, ou seja, à atribuição a ele do objeto da licitação, e não ao contrato imediato. E assim é porque a Administração pode, licitamente, revogar ou anular o procedimento ou, ainda, adiar o contrato, quando ocorram motivos para essas condutas. O que não se lhe permite é contratar com outrem, enquanto válida a adjudicação, nem revogar o procedimento ou protelar indefinidamente a adjudicação ou a assinatura do contrato sem justa causa”.
Em verdade, a expressão “adjudicação compulsória” é equívoca, porque pode dar a idéia de que, uma vez concluído o julgamento, a Administração está obrigada a adjudicar; isto não ocorre, porque a revogação motivada pode ocorrer em qualquer fase da licitação. Tem-se que entender o princípio no sentido de que, se a Administração levar o procedimento a seu termo, a adjudicação só pode ser feita ao vencedor; não há um direito subjetivo à adjudicação quando a Administração opta pela revogação do procedimento.

9.3.9 Princípio da ampla defesa
Finalmente, cabe ainda uma palavra a respeito de um princípio pouco mencionado em matéria de licitação; trata-se do princípio da ampla defesa, já reconhecido, em alguns casos concretos, pela jurisprudência. Cite-se acórdão do Supremo Tribunal Federal, publicado na RTJ 105/162, em que, embora sem julgamento do mérito porque o problema da defesa envolvia matéria de fato, inapreciável em mandado de segurança, ficou implícito o reconhecimento do direito de defesa na licitação, como procedimento administrativo que é. A matéria foi também examinada pelo Tribunal Federal de Recursos, em hipótese em que houve desclassificação de empresa licitante, por falta de idoneidade técnica, sem assegurar o direito de defesa (RDA 166/ 117). Na vigência da nova Constituição o artigo 5º., inciso LV torna indiscutível a exigência de observância desse princípio, com os meios e recursos a ele inerentes, e também do princípio do contraditório, em qualquer tipo de processo administrativo em que haja litígio. O artigo 87 da Lei nº. 8.666 exige a observância da ampla defesa para aplicação das sanções administrativas.



Homicídio - Rogerio Greco

Homicídio


Homicídio privilegiado:

Na verdade, a expressão “homicídio privilegiado”, embora largamente utilizado pela doutrina e pela jurisprudência, nada mais é do que uma causa especial de redução de pena.


Classificação doutrinária:

Crime comum, simples, de forma livre (como regra, pois existem modalidades qualificadas que indicam os meios e modos para a prática do delito, como ocorre nas hipóteses dos incisos III e IV), podendo ser cometido dolosa ou culposamente, comissiva ou omissivamente (nos casos de omissão imprópria, quando o agente usufruir status de garantidor), de dano, material, instantâneo de efeitos permanentes, não transeunte, monossubjetivo, plurissubsistente, podendo figurar, também a hipótese de crime de ímpeto (como no caso da violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima).


Sujeito ativo e sujeito passivo:

Sujeito ativo do delito de homicídio pode ser qualquer pessoa. 2 Sujeito passivo, da mesma forma, também pode ser qualquer pessoa.

Somente haverá homicídio se, ao tempo da ação ou da omissão, a vítima se encontrava com vida, pois, caso contrário, estaremos diante da hipótese de crime impossível, em razão da absoluta impropriedade do objeto.

A Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83) especializou o homicídio no que diz respeito ao seu sujeito passivo, cominando pena de reclusão, de 15 a 30 anos, nas hipóteses de serem vítimas de homicídio o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica da leitura de seu art. 29.


Objeto material e bem juridicamente protegido:

Objeto material do delito é a pessoa contra qual recai a conduta praticada pelo agente.

Bem juridicamente protegido é a vida e, num sentido mais amplo, a pessoa.

O direito à vida não é absoluto, pois que a CR/88, mesmo que excepcionalmente, permitiu a pena de morte, nos casos de guerra declarada, nos termos do seu art. 84, XIX.

Se não bastasse, ainda existem em favor do agente que elimina a vida de seu semelhante as causas de justificação, a exemplo do estado de necessidade e da legítima defesa, como ainda algumas dirimentes, como acontece nas hipóteses em que era exigível um outro comportamento do agente.

A prova da vida é indispensável à caracterização do homicídio.

Pelas lições de Hungria, iniciado o parto (normal ou cesárea), comprovada a vitalidade do nascente, ou seja, aquele que está nascendo, ou do neonato, isto é, o que acabou de nascer, já podemos pensar, em termos de crimes contra a vida, no delito de homicídio, ou, caso tenha sido praticado pela gestante, sob a influência do estado puerperal, o crime de infanticídio.

No que diz respeito à possibilidade de ocorrência do delito de homicídio, ainda, havendo vida intra-uterina, mesmo depois de já ter sido iniciado o parto, existe divergência em nossa doutrina.

Cezar Roberto Bitencourt, com precisão, esclarece: “A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco amniótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui o crime de homicídio”.

Em sentido contrário, Ney Moura Teles afirma que “homicídio é a destruição da vida humana extra-uterina, praticada por outro ser humano”.

Acreditamos não haver necessidade de vida extra-uterina para que se possa falar em homicídio.

Com a morte encerra-se a proteção pelo art. 121 do CP. A Lei n. 9434/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, especifica, em seu art. 3º, que a morte se dá quando da morte encefálica comprovada e atestada por dois médicos; embora outros órgãos estejam em funcionamento, estando comprovada a morte encefálica, a pessoa não poderá ser sujeito passivo do crime de homicídio.


Exame de corpo de delito:

Em se tratando de crime material, infração penal que deixa vestígios, o homicídio, para que possa ser atribuído a alguém, exige a confecção do indispensável exame de corpo de delito, direto ou indireto, conforme determinam os arts. 158 e 167 do CPP.

Conforme esclarece Eugênio Pacelli de Oliveira, “deixando vestígios a infração, a materialidade do delito e/ou a extensão de suas conseqüências deverão ser objeto de prova pericial, a ser realizada diretamente sobre o objeto material do crime, o corpo de delito, ou, não mais podendo sê-lo, pelo desaparecimento inevitável do vestígio, de modo indireto. O exame indireto será feito também por meio de peritos, só que a partir de informações prestadas por testemunhas ou pelo exame de documentos relativos aos fatos cuja existência se quiser provar, quando então se exercerá e se obterá apenas um conhecimento técnico por dedução”.

Somente na ausência completa de possibilidade de realização do exame de corpo de delito, seja ele direto ou indireto, é que a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta, nos termos preconizados pelo art. 167 do CPP.

Elemento subjetivo:

O elemento subjetivo constante do caput do art. 121 do CP é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de matar alguém. O agente atua com o chamado animus necandi ou animus occidendi.

Admite-se que o delito seja cometido a título de dolo direto ou eventual.

Pode ocorrer, portanto, o homicídio, tanto a título de dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo graus, como eventual.

Obs: A fórmula criada, ou seja, “embriaguez + velocidade excessiva = dolo eventual” não pode prosperar. O CP não adotou a teoria da representação, mas sim a da vontade e a do assentimento. Exige-se, portanto, para a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite, não se importando realmente com a sua ocorrência.

Com isso queremos salientar que nem todos os casos em que houver a fórmula “embriaguez + velocidade excessiva” haverá dolo eventual. Também não estamos afirmando que não há possibilidade de ocorrer tal hipótese. Só a estamos rejeitando como uma fórmula matemática, absoluta.


Modalidades comissiva e omissiva:

Pode o delito ser praticado comissivamente, quando o agente dirige sua conduta com o fim de causar a morte da vítima, ou omissivamente, quando deixa de fazer aquilo a que estava obrigado em virtude da sua qualidade de garantidor (crime omissivo impróprio).


Homicídio privilegiado:

O §1º, do art. 121 do CP cuida do chamado homicídio privilegiado. Trata-se de uma causa especial de diminuição de pena, aplicada às hipóteses nele previstas.

O mencionado parágrafo cuida de duas situações distintas. Na sua primeira parte, a minorante será aplicada quando o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral. Na segunda parte, age sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.

Embora a lei diga que o juiz pode reduzir a pena, não se trata de faculdade do julgador, senão direito subjetivo do agente em ver diminuída sua pena, quando o seu comportamento se amoldar a qualquer uma das duas situações elencadas pelo parágrafo.

a) Motivo de relevante valor social ou moral → Primeiramente, o motivo que impeliu o agente a praticar o homicídio deve ser relevante. Relevante valor social é aquele motivo que atende aos interesses da coletividade. Ex: a morte de um traidor da pátria, no exemplo clássico da doutrina. Relevante valor moral é aquele que, embora importante, é considerado levando em conta os interesses do agente. Ex: o pai que mata o estuprador de sua filha; as hipóteses de eutanásia também se amoldam à primeira parte do §1º do art. 121 do CP.

b) Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima → Quando a lei penal usa a expressão “sob o domínio”, isso significa que o agente deve estar completamente dominado pela situação. Caso contrário, se somente agiu influenciado, a hipótese não será de redução de pena em virtude da aplicação da minorante, mas tão somente de atenuação, face a existência da circunstância prevista na alínea „c‟, do inciso III, do art. 65 do CP.

A punição daquele que atua sob o domínio de violenta emoção se compatibiliza com a regra contida no inciso I do art. 28 do CP, que diz não excluir a imputabilidade penal a emoção ou a paixão.

A expressão “logo em seguida” denota relação de imediatidade, de proximidade com a provocação injusta a que foi submetido o agente.

Finalmente, merece destaque, também, a locução “injusta provocação”. Prima facie, devemos distinguir o que vem a ser injusta provocação, que permite a redução de pena, da chamada injusta agressão, que conduzirá ao completo afastamento da infração penal, em virtude da existência de uma causa de justificação, vale dizer, a legítima defesa. Já tivemos oportunidade de salientar, quando do estudo da legítima defesa, que é importantíssima: a distinção entre agressão injusta e provocação. Isso porque se considerarmos o fato como injusta agressão caberá a argüição da legítima defesa, não se podendo cogitar da prática de qualquer infração penal por aquele que se defende nessa condição; caso contrário, se entendermos como uma simples provocação, contra ela não poderá ser alegada a excludente em benefício do agente, e ele terá que responder penalmente pela sua conduta.


Homicídio qualificado:

É importante frisar, nessa oportunidade, que o §2º do art. 121 do CP prevê uma modalidade de tipo derivado qualificado. Quer isto significar que todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias, e não como elementares do tipo. Tal raciocínio se faz mister pelo fato de que o art. 30 do CP determina: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Dessa forma, embora duas pessoas possam, agindo em concurso, ter causado a morte de alguém, uma delas poderá ter praticado o delito impelida por um motivo fútil, não comunicável ao co-participante.

Entendemos que, toda vez que os tipos penais estiverem ligados entre si pelos seus parágrafos, estaremos sempre diante dos chamados tipos derivados, e não de delitos autônomos.

I - Motivos: Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; motivo fútil:

A lei penal aponta que tanto a paga quanto a promessa de recompensa são considerados motivos torpes. Torpe é o motivo que contrasta violentamente com o senso ético comum. A paga é o valor ou qualquer outra vantagem, tenha ou não natureza patrimonial, recebida antecipadamente, para que o agente leve a efeito a empreitada criminosa. Já na promessa de recompensa, o agente não recebe antecipadamente, mas sim existe uma promessa de pagamento futuro.

Afirmamos que a paga e a promessa de recompensa não necessitam possuir natureza patrimonial. Parte da doutrina se posiciona contrariamente a esse entendimento. Trazemos à colação as lições de Luiz Regis Prado: “Questiona-se se a recompensa visada limita-se à retribuição de ordem econômica ou se o legislador também albergou, no presente dispositivo, a contraprestação sem valor patrimonial. Predomina o entendimento segundo o qual a recompensa deve ter, para a configuração da qualificadora, conteúdo econômico. Acertada a posição dominante que considera que a paga ou a promessa de recompensa devam ter conteúdo econômico. Pode o juiz, porém, avaliar o motivo não-econômico quando da fixação da pena-base (art. 59, CP)”. Ainda, com relação à promessa de recompensa, merece destaque o fato de que o agente responderá por esse delito mesmo que não a receba após o cometimento do crime e ainda que o mandante não tivesse a intenção, desde o início, de cumpri-la. A raiz do homicídio está na motivação, razão pela qual, ainda assim, o delito será qualificado.

Se existiu a paga ou a promessa de recompensa, é sinal de que alguém pagou ou prometeu a vantagem para que outra pessoa praticasse o homicídio. Existem, portanto, sempre dois personagens pelo menos: mandante e executor. Deverá o mandante responder, também, pelo homicídio qualificado pelo simples fato de ter prometido vantagem para que alguém o praticasse? Entendemos que não. Isto porque, como já esclarecemos acima, todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias. Aquele que recebe a paga ou aceita a promessa de recebimento da vantagem para que pratique o homicídio, o faz por um motivo torpe. Pode ser, inclusive, que o mandante possuía um motivo de relevante valor moral, que não se confundirá com aquele que motivou o executor a cometer o homicídio.

O inciso II do §2º do art. 121 do CP prevê, também, a qualificadora do motivo fútil. Fútil é o motivo insignificante, que faz com que o comportamento do agente seja desproporcional. Motivo fútil é aquele onde há um abismo entre a motivação e o comportamento extremo levado a efeito pelo agente.

A doutrina aponta, ainda, para o fato de que crime sem motivo não se configura motivo fútil. Nesse sentido, afirma Damásio de Jesus: “se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não incide a qualificadora, nada impedindo que responda por outra, como é o caso do motivo torpe”.

Com a devida vênia das posições em contrário, não podemos compreender a coerência desse raciocínio. Tal fato não passou despercebido por Fernando Capez, quando afirmou que “matar alguém sem nenhum motivo é ainda pior do que matar por mesquinharia, estando, portanto, incluído no conceito de fútil”.

Tratando-se de homicídio com duas ou mais qualificadoras, como veremos mais à frente, poderá qualquer uma delas servir para qualificar a infração penal, sendo que as demais serão utilizadas como circunstâncias agravantes, no segundo momento de aplicação da pena, determinado pelo art. 68 do CP.

II - Meios: Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum:

Tudo aquilo que for considerado meio insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum qualificará o homicídio, a exemplo das hipóteses mencionadas expressamente pelo inciso III (veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura).

De acordo com a interpretação que se faz do mencionado inciso III, quando a lei faz menção à sua fórmula genérica, usa, inicialmente, a expressão “meio insidioso”, dando a entender que o veneno, para que qualifique o delito mediante esse meio, deverá ser ministrado insidiosamente, sem que a vítima perceba que faz a sua ingestão. Caso contrário, ou seja, caso a vítima venha a saber que morrerá pelo veneno, que é forçada a ingerir, o agente deverá responder pelo homicídio, agora qualificado pela fórmula genérica do meio cruel. Se a vítima sabe se trata de substância venenosa e a ingere sob coação, a insídia é substituída pela crueldade e a qualificação persiste.

A tortura também encontra-se no rol dos meios considerados cruéis, que têm por finalidade qualificar o homicídio. Importa ressaltar que a tortura, qualificadora do homicídio, não se confunde com aquela prevista pela Lei n. 9.455/97. Qual a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do delito de homicídio e a tortura com resultado morte prevista pela Lei n. 9455/97? A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 121, é tão-somente um meio para o cometimento do homicídio. É um meio cruel de que se utiliza o agente, com o fim de causar a morte da vítima. Já na Lei n. 9.455/97, a tortura é um fim em si mesma. Se vier a ocorrer o resultado morte, este somente poderá qualificar a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualificada pelo resultado morte é um delito eminentemente preterdoloso.

III - Modos: À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido:

O inciso IV do §2º do art. 121 do CP também se valendo do recurso da interpretação analógica, assevera que a traição, a emboscada, a dissimulação ou qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido também qualificarão o homicídio.

IV - Fins: Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime:

Isso significa que, toda vez que for aplicada a qualificadora em estudo, o homicídio deverá ter relação com outro crime, havendo, outrossim, a chamada conexão.

Diz-se teleológica a conexão quando se leva em consideração o fim em virtude do qual é praticado o homicídio. Será considerada teleológica a conexão de outro crime se o homicídio é cometido para que se assegure a execução de um crime futuro.

Conseqüencial é a conexão em que o homicídio é cometido com a finalidade de assegurar a ocultação ou a vantagem de outro crime. Aqui o delito de homicídio é praticado com vistas a ocultar, assegurar a impunidade ou a vantagem de um crime já cometido.

Com relação às qualificadoras contidas no inciso V em exame, devem ser ressaltadas as seguintes indagações:

a) Se o agente comete o homicídio com o fim de assegurar a execução de outro crime que, por um motivo qualquer, não vem a ser praticado, ainda deve subsistir a qualificadora? Sim, haja vista a maior censurabilidade do comportamento daquele que atua motivado por essa finalidade.

b) Se o agente comete o homicídio a fim de assegurar a ocultação ou a impunidade de um delito já prescrito, também subsiste a qualificadora? Sim, pelas mesmas razões apontadas acima.

c) Se o agente pratica o homicídio para assegurar, em tese, a impunidade de um crime impossível, segundo Damásio, “a qualificadora subsiste, uma vez que o Código pune a maior culpabilidade do sujeito, revelada em sua conduta subjetiva”.

d) E se o homicídio é cometido com o fim de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de uma contravenção penal? Em virtude da proibição da analogia in malam partem, não se pode ampliar a qualificadora a fim de nela abranger, também, as contravenções penais, sob pena de ser violado o princípio da legalidade em sua vertente do nullum crimen poena sine lege stricta, podendo o agente, entretanto, dependendo da hipótese, responder pelo homicídio qualificado pelo motivo torpe ou fútil.


Competência para julgamento do homicídio doloso:

Pelo que se verifica através da alínea „d‟ do inciso XXXVIII do art. 5º da CR/88, o Tribunal do Júri é o competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, destacando-se dentre eles o homicídio, em todas as suas modalidades (simples, privilegiada e qualificada).

Questão importante a ser observada é a que diz respeito ao fato de não ser o latrocínio julgado pelo Júri, mesmo que a morte da vítima seja dolosa.

Merece observar que a CR/88 não impediu que outras infrações penais fossem submetidas a julgamento pelo Tribunal do Júri, mas tão-somente garantiu que os crimes dolosos contra a vida fizessem, sempre, parte desse rol, podendo o legislador infraconstitucional agregar-lhe outros delitos, ampliando-se, portanto, a sua competência.


Homicídio culposo:
Percebe-se que, no crime culposo, estamos diante da hipótese, como regra, do chamado tipo aberto. Na criação dos tipos penais, pode o legislador adotar dois critérios. O primeiro consiste na descrição completa do modelo de conduta proibida. Tal critério conduz à construção dos denominados “tipos fechados”. O segundo critério consiste na descrição incompleta do modelo de conduta proibida, transferindo-se para o intérprete o encargo de completar o tipo, dentro dos limites e das indicações nele próprio contidas. São os denominados “tipos abertos”, como se dá em geral nos delitos culposos que precisam ser completados pela norma geral que impõe a observância do dever de cuidado.
Outra característica de fundamental importância à configuração do delito culposo é a aferição da previsibilidade do agente. Se o fato escapar totalmente à sua previsibilidade, o resultado não lhe pode ser atribuído, mas sim ao caso fortuito ou à força maior.
Faz a doutrina distinção, ainda, entre a previsibilidade objetiva e a previsibilidade subjetiva. Previsibilidade objetiva seria aquela, conceituada por Hungria, em que o agente, no caso concreto, deve ser substituído pelo chamado “homem médio, de prudência normal”. Se, uma vez levada a efeito essa substituição hipotética, o resultado ainda assim persistir, é sinal de que o fato havia escapado ao seu âmbito de previsibilidade, porque dele não se exigia nada além da capacidade normal dos homens.
Além da previsibilidade objetiva, existe aquela outra, denominada previsibilidade subjetiva. Nesta, não existe substituição hipotética; não há a troca do agente pelo homem médio para saber se o fato escapava ou não à sua previsibilidade. Aqui, na previsibilidade subjetiva, o que é levado em consideração são as condições pessoais do agente, quer dizer, considera-se, na previsibilidade subjetiva, as limitações e as experiências daquela pessoa cuja previsibilidade está se aferindo em um caso concreto. Na precisa lição de Damásio: “não se pergunta o que o homem prudente deveria fazer naquele momento, mas sim o que era exigível do sujeito nas circunstâncias em que se viu envolvido”.

Noção de Contratos e princípios - Carlos Roberto Gonçalves

CAPÍTULO I

NOÇÃO GERAL DE CONTRATO

1. CONCEITO

Contrato é fonte de obrigação. Fonte é o fato que dá origem a esta, de acordo com as regras de direito. Os fatos humanos que o Código Civil brasileiro considera geradores de obrigação são:


a) os contratos;

b) as declarações unilaterais da vontade;

c) os atos ilícitos, dolosos e culposos.


Como é a lei que dá eficácia a esses fatos, transformando-os em fontes diretas ou imediatas, aquela constitui fonte mediata ou primária das obrigações. É a lei que disciplina os efeitos dos contratos, que obriga o declarante a pagar a recompensa prometida e que impõe ao autor do ato ilícito o dever de ressarcir o prejuízo causado. Há obrigações que, entretanto, resultam diretamente da lei, como a de prestar alimentos (CC, ár-t. 396), a de indenizar os danos causados por seus empregados (CC, art. 1.521, 111), a propter rem imposta aos vizinhos etc. O Código Civil disciplina dezesseis espécies de contratos nominados e duas de declarações unilaterais da vontade: o título ao portador e a promessa de recompensa (CC; arts. 1.505 a 1.517). Contém ainda um capítulo referente às obrigações por atos ilícitos (CC, arts. 1.518 a 1.553). Começaremos o estudo pelo contrato, que é comumente conceituado, desde Beviláqua, como o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir direitos. Constitui o mais expressivo modelo de negócio jurídico bilateral.


2. CONDIÇÕES DE VALIDADE


Os requisitos ou condições de validade dos contratos são de duas espécies: a) de ordem geral, comuns a todos os atos e negócios jurídicos, como a capacidade do agente, o objeto lícito e a forma prescrita ou não defesa em lei (CC, art. 82); b) de ordem especial, específicos dos contratos: o consentimento recíproco ou acordo de vontades.

A capacidade dos contratantes é, pois, o primeiro requisito (condição subjetiva) de ordem geral para a validade dos contratos. Estes serão nulos (art. 145, 1) ou anuláveis (art. 147, 1) se a incapacidade, absoluta ou relativa, não for suprida pela representação ou pela assistência (CC, art. 84).

O objeto do contrato há de ser lícito, isto é, não atentar contra a lei, a moral ou os bons costumes (condição objetiva). Quando é imoral, os tribunais por vezes aplicam o prin cípio de direito de que ninguém pode valer-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). Tal princípio é acolhido pelo legislador nos arts. 97, que trata do dolo ou torpeza bilateral, e 971 do Código Civil, que proíbe a repetição do pagamento feito para obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei. Além de lícito, o objeto do contrato deve ser, também, possível. Com efeito, o art. 145, 11, do Código Civil declara nulo o negócio jurídico quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto. A impossibilidade da prestação pode ser física ou jurídica. A primeira é a que emana de leis físicas ou naturais. Deve ser absoluta, isto é, atingir a todos, indistintamente (p. ex., a de colocar a água dos oceanos em um copo d'água). A relativa, que atinge o devedor mas não outras pessoas, não constitui obstáculo ao negócio jurídico (CC, art. 1.091). Impossibilidade jurídica do objeto ocorre quando o ordenamento proíbe negócios a respeito de determinado bem, como a herança de pessoa viva (CC, art. 1.089), as coisas fora do comércio etc. A ilicitude do objeto é mais ampla, pois abrange os contrários à moral e aos bons costumes. O objeto do contrato, por fim, deve ter algum valor econômico. Um grão de areia, por exemplo, não interessa ao mundo jurídico, por não suscetível de apreciação econômica. Deve ser, também, "determinado ou determinável" (CC, projeto aprovado no Senado em 26-11- 1997, art. 104, II).

O terceiro requisito de validade do negócio jurídico é a forma (forma dat esse rei, ou seja, a forma dá ser às coisas). Deve ser a prescrita ou não defesa em lei. Em regra, a forma é livre. As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular (CC, art. 129). Em alguns casos a lei reclama também a publicidade, mediante o sistema de Registros Públicos (CC, art. 135).

O requisito de ordem especial, próprio dos contratos, é o consentimento recíproco ou acordo de vontades. Deve ser livre e espontâneo, sob pena de ter a sua validade afetada pelos vícios ou defeitos do negócio jurídico: erro, dolo, coação, simulação, fraude e lesão. A manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa (CC, art. 1.079). Expressa é a exteriorizada verbalmente, por escrito, gesto ou mímica, de forma inequívoca. Algumas vezes a lei exige o consentimento escrito como requisito de validade da avença. É o que ocorre na atual Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), cujo art. 13 prescreve que a sublocação e o empréstimo do prédio locado dependem de consentimento, por escrito, do locador. Não havendo na lei tal exigência, vale a manifestação tácita, que se infere da conduta do agente. Nas doações puras, por exemplo, muitas vezes o donatário não declara que aceita o objeto doado, mas o seu comportamento (uso, posse, guarda) demonstra a aceitação. O silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita da vontade somente quando a lei der a ele tal efeito, como nos arts. 1.166 (doação pura), 1.293 (mandato), 1.147 (venda a contento) etc., ou quando este ficar convencionado em um précontrato ou ainda resultar de uma praxe comercial (CC, art. 1.084). Nestes casos o silêncio é considerado circunstanciado ou qualificado.

Como o contrato, por definição, é um acordo de vontades, não se admite a existência de autocontrato ou contrato consigo mesmo. O que há, na realidade, são situações que se assemelham a contrato dessa natureza, como ocorre no cumprimento de mandato em causa própria, previsto no art. 1.317, 1, do Código Civil, em que o mandatário recebe poderes para alienar determinado bem, por determinado preço, a terceiros ou a si próprio. Na última hipótese, aparece apenas uma pessoa ao ato da lavratura da escritura, mas só aparentemente, porque o mandatário está ali também representando o mandante. Este, quando da outorga da procuração, já fez uma declaração de vontade. Preceitua a Súmula 60 do Superior Tribunal de Justiça: "É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste". A razão é que tal situação configura modalidade de contrato consigo mesmo.


4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL


Os mais importantes princípios do direito contratual são:


a) Princípio da autonomia da vontade - Significa ampla liberdade de contratar. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado. Podem celebrar contratos nominados ou fazer combinações, dando origem a contratos inominados. Tal princípio teve o seu apogeu após a Revolução Francesa, com a predominância do individualismo e a pregação de liberdade em todos os campos, inclusive no contratual. Como a vontade manifestada deve ser respeitada, a avença faz lei entre as partes, assegurando a qualquer delas o direito de exigir o seu cumprimento.


b) Princípio da supremacia da ordem pública - Limita o da autonomia da vontade, dando prevalência ao interesse público. Resultou da constatação, feita no início deste sécu lo e em face da crescente industrialização, de que a ampla liberdade de contratar provocava desequilíbrios e a exploração do economicamente mais fraco. Em alguns setores fazia-se mister a intervenção do Estado,-para restabelecer e assegurar a igualdade dos contratantes. Surgiram os movimentos em prol dos direitos sociais e a defesa destes nas encíclicas papais. Começaram, então, a ser editadas leis a fim de garantir, em setores de vital importância, a supremacia da ordem pública, da moral e dos bons costumes, podendo ser lembradas, entre nós, as diversas leis do inquilinato, a Lei da Usura, a Lei da Economia Popular, o Código de Defesa do Consumidor e outras. A intervenção do Estado na vida contratual é, hoje, tão intensa em determinados campos (telecomunicações, consórcios, seguros, sistema financeiro etc.) que se configura um verdadeiro dirigismo contratual.


c) Princípio do consensualismo - Decorre da moderna concepção de que o contrato resulta do consenso, do acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa. A compra e venda, por exemplo, quando pura, torna-se perfeita e obrigatória, desde que as partes acordarem no objeto e no preço (CC, art. 1.126). O contrato já estará perfeito e acabado desde o momento em que o vendedor aceitar o preço oferecido pela coisa, independentemente da entrega desta. O pagamento e a entrega do objeto constituem outra fase, a do cumprimento das obrigações assumidas pelos contraentes (CC, art. 1.122). Os contratos são, em regra, consensuais. Alguns poucos, no entanto, são reais (do latim res: coisa), porque somente se aperfeiçoam com a entrega do objeto, subseqüente ao acordo de vontades. Este, por si, não basta. O contrato de depósito, por exemplo, só se aperfeiçoa depois do consenso e da entrega do bem ao depositário. Enquadram-se nessa classificação, também, dentre outros, os contratos de comodato e mútuo.


d) Princípio da relatividade dos contratos - Funda-se na idéia de que os efeitos do contrato só se produzem em relação às partes, àqueles que manifestaram a sua vontade, não afetando terceiros. O nosso ordenamento o acolheu no art. 928 do Código Civil, que assim dispõe: "A obrigação, não sendo personalíssima, opera assim entre as partes, como entre seus herdeiros". Embora tenham sido
mencionados somente os herdeiros, não são terceiros, em face dos contraentes, também os seus sucessores a título singular. Só a obrigação personalíssima não vincula os sucessores. O aludido princípio comporta, entretanto, algumas exceções expressamente consignadas na lei, permitindo estipulações em favor de terceiros, reguladas nos arts. 1.098 a 1.100 (comum nos seguros de vida e nas separações judiciais consensuais) e convenções coletivas de trabalho, por exemplo, em que os acordos feitos pelos sindicatos beneficiam toda uma categoria.


e) Princípio da obrigatoriedade dos contratos - Representa a força vinculante das convenções. Pelo princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a contratar. Os que o fizerem, porém, sendo o contrato válido e eficaz, devem cumpri-lo. Tem por fundamentos: a) a necessidade de segurança nos negócios (função social dos contratos), que deixaria de existir se os contratantes pudessem não cumprir a palavra empenhada, gerando a balbúrdia e o caos; b) a intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente da convicção de que o acordo de vontades faz lei entre as partes (pacta sunt servanda), não podendo ser alterado nem pelo juiz. Qualquer modificação ou revogação terá de ser, também, bilateral. O seu inadimplemento confere à parte lesada o direito de fazer uso dos instrumentos judiciários para obrigar a outra a cumpri-lo, ou a indenizar pelas perdas e danos, sob pena de execução patrimonial (CC, art. 1.056). A única limitação a esse princípio, dentro da concepção clássica, é a escusa por caso fortuito ou força maior, consignada no art. 1.058 e parágrafo único do Código Civil.


f) Princípio da revisão dos contratos (ou da onerosidade excessiva) - Opõe-se ao da obrigatoriedade, pois permite aos contratantes recorrerem ao Judiciário, para obterem alte ração da convenção e condições mais humanas, em determinadas situações. Originou-se na Idade Média, mediante a constatação, atribuída a Neratius, de que fatores externos podem gerar, quando da execução da avença, uma situação muito diversa da que existia no momento da celebração, onerando excessivamente o devedor. A teoria recebeu o nome de rebus sic stantibus, e consiste basicamente em presumir, nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários (uma guerra, p. ex.), que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente. Depois de permanecer longo tempo no esquecimento, a referida teoria foi lembrada durante a I Guerra Mundial de 1914 a 1918, que provocou um desequilíbrio nos contratos de longo prazo. Alguns países regulamentaram a revisão dos contratos em leis próprias. Na França, editou-se a Lei Faillot, de 21 de janeiro de 1918. Na Inglaterra, recebeu a denominação de Frustration of Adventure. Outros a acolheram em 10 seus Códigos, fazendo as devidas adaptações às condições atuais. Entre nós, foi adaptada e difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca, com o nome de teoria da imprevisão, em sua obra Caso fortuito e teoria da imprevisão. Em razão da forte resistência oposta à teoria revisionista, o referido autor incluiu o requisito da imprevisibilidade, para possibilitar a sua adoção. Assim, não era mais suficiente a ocorrência de um fato extraordinário, para justificar a alteração contratual. Passou a ser exigido que fosse também imprevisível. É por essa razão que os tribunais não aceitam a inflação como causa para a revisão dos contratos. Tal fenômeno é considerado previsível entre nós.
O nosso Código não regulamentou expressamente a revisão contratual. Não resta dúvida, porém, de que o princípio de que a revisão pode ser postulada em razão de modifi cações da situação de fato foi acolhido. Com efeito, o art. 401 do Código Civil permite o ajuizamento de ação revisional de alimentos, se sobrevier mudança na fortuna de quem os supre. Podem ser ainda lembrados, como exemplos, os arts. 954 e 1.058 do mesmo diploma.


Na realidade, a cláusula rebus sic stantibus e a teoria da imprevisão têm sido aplicadas entre nós somente em casos excepcionais e com cautela, desde que demonstrados os seguintes requisitos:

a) vigência de um contrato comutativo de execução diferida ou de trato sucessivo;

b)ocorrência de fato extraordinário e imprevisível;

c) considerável alteração da situação de fato existente no momento da execução, em confronto com a que existia por ocasião da celebração;

d) onerosidade excessiva para um dos contratantes e vantagem exagerada para o outro. Em linha geral, não se aplicam aos contratos aleatórios porque envolvem um risco, salvo se o imprevisível decorrer de fatores estranhos ao risco próprio do contrato.


g) Princípio da boa-fé - Exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato. Guarda relação com o princípio de direito sobre o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega.