"O amor, quando se revela, não se sabe revelar. Sabe bem olhar pra ela, mas não lhe sabe falar."
Fernando Pessoa

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

5. FORMAÇÃO DO CONTRATO - Carlos Roberto Gonçalves

5. FORMAÇÃO DO CONTRATO

5.1. A PROPOSTA

5.1.1. A OFERTA NO CÓDIGO CIVIL

O contrato resulta de duas manifestações de vontade: a proposta e a aceitação. A primeira, também chamada oferta, policitação ou oblação, dá início à formação do contrato e não depende, em regra, de forma especial (CC, art. 1.079). É antecedida de uma fase, às vezes prolongada, de negociações preliminares (conversações, estudos), também denominada fase da puntuação. Nesta, como as partes ainda não manifestaram a sua vontade, não há nenhuma vinculação ao negócio. Qualquer delas pode afastar-se, simplesmente alegando desinteresse, sem responder por perdas e danos. Tal responsabilidade só ocorrerá se ficar demonstrada a deliberada intenção, com a falsa manifestação de interesse, de causar dano ao outro contraente (perda de outro negócio ou realização de despesas, p. ex.). O fundamento para o pedido de perdas e danos da parte lesada não é, neste caso, o inadimplemento contratual, mas a prática de um ilícito civil (CC, art. 159).
A proposta, desde que séria e consciente, vincula o proponente (CC, art. 1.080). Pode ser provada por testemunhas, qualquer que seja o seu valor. A sua retirada sujeita o propo nente ao pagamento das perdas e danos. A lei abre, entretanto,
várias exceções a essa regra. Dentre elas não se encontra, contudo, a morte ou a interdição do policitante. Nestes dois casos respondem, respectivamente, os herdeiros ou curadores do incapaz pelas conseqüências jurídicas do ato. As aludidas exceções encontram-se no art. 1.080 do Código Civil, que assim dispõe: "A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso". Destarte, não obriga o proponente, em primeiro lugar, se contiver cláusula expressa a respeito. É quando o próprio proponente declara que não é definitiva e se reserva o direito de retirá-la. Em segundo lugar, em razão da natureza do negócio. É o caso das chamadas propostas abertas ao público, que se consideram limitadas ao estoque existente. E, por último, em razão das circunstâncias do caso, mencionadas no art. 1.081 do mesmo diploma. O referido dispositivo declara que a proposta deixa de ser obrigatória: I - Se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Quando o solicitado responde que irá estudar a proposta feita por seu interlocutor, poderá este retirá-la. Considera-se presente - aduz o dispositivo em tela - "a pessoa que contrata por meio de telefone". Presente, portanto, é aquele que conversa diretamente com o policitante, mesmo que por algum outro meio mais moderno de comunicação a distância, e não só por telefone, e ainda que os interlocutores estejam em cidades, estados ou países diferentes. II - Se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente. Cuida-se de oferta enviada, por corretor ou correspondência, a pessoa ausente. O prazo suficiente para a resposta varia conforme as circunstâncias. É o necessário ou razoável para que chegue ao conhecimento do proponente e denomina-se prazo moral. Entre moradores próximos, não deve ser muito longo. Diferente será o entendimento se os partícipes do negócio residirem em locais distantes e de acesso demorado. III - Se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado. Se foi fixado prazo para a resposta, o proponente terá de esperar pelo seu término. Esgotado, sem resposta, estará este liberado. IV - Se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. É facultado ao policitante retratar-se, retirando a proposta formu lada, desde que tal manifestação ocorra antes de seu recebimento pelo solicitado, ou simultaneamente a ele. Por exemplo: antes que o mensageiro entregue a proposta ao outro contratante, o ofertante entende-se diretamente com ele, por algum meio rápido de comunicação, retratando-se. A proposta, in casu, não chegou a existir juridicamente, porque retirada a tempo.

5.2. A ACEITAÇÃO

Aceitação é a concordância com os termos da proposta. É manifestação de vontade imprescindível para que se repute concluído o contrato. Para tanto, deve ser pura e simples. Se apresentada fora do prazo, com adições, restrições ou modificações, importará nova proposta (CC, art. 1.083), comumente denominada contraproposta. Como a proposta perde a força obrigatória depois de esgotado o prazo concedido pelo proponente, a posterior manifestação do solicitado ou oblato também não obriga o último, pois aceitação não temos e, sim, nova proposta. O mesmo se pode dizer quando este não aceita a oferta integralmente, introduzindo-lhe restrições ou modificações.
A aceitação pode ser expressa ou tácita. A primeira decorre de declaração do aceitante, manifestando a sua anuência; a segunda, de sua conduta, reveladora do consentimento. O art. 1.084 do Código Civil menciona duas hipóteses de aceitação tácita, em que se reputa concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa: a) quando o negócio for daqueles em que se não costuma a aceitação expressa; b) ou quando o proponente a tiver dispensado. Se, por exemplo, um fornecedor costuma remeter os seus produtos a determinado comerciante, e este, sem confirmar os pedidos, efetua os pagamentos, instaura-se uma praxe comercial. Se o último, em dado momento, quiser interrompê-la, terá de avisar previamente o fornecedor, sob pena de ficar obrigado ao pagamento de nova remessa, nas mesmas bases das anteriores. Costuma-se mencionar, como exemplo da situação descrita na letra b, a hipótese do turista que remete um fax a determinado hotel, reservando acomodações, informando que a chegada se dará em tal data, se não receber aviso em contrário. Não chegando a tempo a negativa, reputar-se-á concluído o contrato. Malgrado o contrato se aperfeiçoe com a aceitação, o Código Civil trata de duas hipóteses em que tal manifestação de vontade deixa de ter força vinculante. A primeira encontra-se no art. 1.082, que preceitua: "Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-la-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos".
Assim, se embora expedida no prazo, a aceitação chegou tardiamente ao conhecimento do policitante, quando este já celebrara negócio com outra pessoa, a circunstância deverá ser, sob pena de responder por perdas e danos, imediatamente comunicada ao oblato, que tem razões para supor que o contrato esteja concluído e pode realizar despesas que repute necessárias ao seu cumprimento. A segunda exceção diz respeito à retratação, também permitida ao
aceitante, no art. 1.085, nos seguintes termos: "Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante".

5.4. LUGAR DA CELEBRAÇÃO

Segundo dispõe o art. 1.087 do Código Civil, "reputarse-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto". Optou o legislador, pois, pelo local em que a proposta foi feita (RT, 713:121). Aparentemente, tal solução encontra-se em contradição com a expressa adoção da teoria da expedição, no dispositivo anterior. Entretanto, para quem, como nós, entende que o Código Civil acolheu, de fato, a da recepção, inexiste a apontada contradição. Por sua vez, a Lei de Introdução ao Código Civil estatui que "a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente". Tal dispositivo aplica-se aos casos em que os contratantes residem em países diferentes.

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