"O amor, quando se revela, não se sabe revelar. Sabe bem olhar pra ela, mas não lhe sabe falar."
Fernando Pessoa

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Homicídio - Rogerio Greco

Homicídio


Homicídio privilegiado:

Na verdade, a expressão “homicídio privilegiado”, embora largamente utilizado pela doutrina e pela jurisprudência, nada mais é do que uma causa especial de redução de pena.


Classificação doutrinária:

Crime comum, simples, de forma livre (como regra, pois existem modalidades qualificadas que indicam os meios e modos para a prática do delito, como ocorre nas hipóteses dos incisos III e IV), podendo ser cometido dolosa ou culposamente, comissiva ou omissivamente (nos casos de omissão imprópria, quando o agente usufruir status de garantidor), de dano, material, instantâneo de efeitos permanentes, não transeunte, monossubjetivo, plurissubsistente, podendo figurar, também a hipótese de crime de ímpeto (como no caso da violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima).


Sujeito ativo e sujeito passivo:

Sujeito ativo do delito de homicídio pode ser qualquer pessoa. 2 Sujeito passivo, da mesma forma, também pode ser qualquer pessoa.

Somente haverá homicídio se, ao tempo da ação ou da omissão, a vítima se encontrava com vida, pois, caso contrário, estaremos diante da hipótese de crime impossível, em razão da absoluta impropriedade do objeto.

A Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83) especializou o homicídio no que diz respeito ao seu sujeito passivo, cominando pena de reclusão, de 15 a 30 anos, nas hipóteses de serem vítimas de homicídio o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica da leitura de seu art. 29.


Objeto material e bem juridicamente protegido:

Objeto material do delito é a pessoa contra qual recai a conduta praticada pelo agente.

Bem juridicamente protegido é a vida e, num sentido mais amplo, a pessoa.

O direito à vida não é absoluto, pois que a CR/88, mesmo que excepcionalmente, permitiu a pena de morte, nos casos de guerra declarada, nos termos do seu art. 84, XIX.

Se não bastasse, ainda existem em favor do agente que elimina a vida de seu semelhante as causas de justificação, a exemplo do estado de necessidade e da legítima defesa, como ainda algumas dirimentes, como acontece nas hipóteses em que era exigível um outro comportamento do agente.

A prova da vida é indispensável à caracterização do homicídio.

Pelas lições de Hungria, iniciado o parto (normal ou cesárea), comprovada a vitalidade do nascente, ou seja, aquele que está nascendo, ou do neonato, isto é, o que acabou de nascer, já podemos pensar, em termos de crimes contra a vida, no delito de homicídio, ou, caso tenha sido praticado pela gestante, sob a influência do estado puerperal, o crime de infanticídio.

No que diz respeito à possibilidade de ocorrência do delito de homicídio, ainda, havendo vida intra-uterina, mesmo depois de já ter sido iniciado o parto, existe divergência em nossa doutrina.

Cezar Roberto Bitencourt, com precisão, esclarece: “A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco amniótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui o crime de homicídio”.

Em sentido contrário, Ney Moura Teles afirma que “homicídio é a destruição da vida humana extra-uterina, praticada por outro ser humano”.

Acreditamos não haver necessidade de vida extra-uterina para que se possa falar em homicídio.

Com a morte encerra-se a proteção pelo art. 121 do CP. A Lei n. 9434/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, especifica, em seu art. 3º, que a morte se dá quando da morte encefálica comprovada e atestada por dois médicos; embora outros órgãos estejam em funcionamento, estando comprovada a morte encefálica, a pessoa não poderá ser sujeito passivo do crime de homicídio.


Exame de corpo de delito:

Em se tratando de crime material, infração penal que deixa vestígios, o homicídio, para que possa ser atribuído a alguém, exige a confecção do indispensável exame de corpo de delito, direto ou indireto, conforme determinam os arts. 158 e 167 do CPP.

Conforme esclarece Eugênio Pacelli de Oliveira, “deixando vestígios a infração, a materialidade do delito e/ou a extensão de suas conseqüências deverão ser objeto de prova pericial, a ser realizada diretamente sobre o objeto material do crime, o corpo de delito, ou, não mais podendo sê-lo, pelo desaparecimento inevitável do vestígio, de modo indireto. O exame indireto será feito também por meio de peritos, só que a partir de informações prestadas por testemunhas ou pelo exame de documentos relativos aos fatos cuja existência se quiser provar, quando então se exercerá e se obterá apenas um conhecimento técnico por dedução”.

Somente na ausência completa de possibilidade de realização do exame de corpo de delito, seja ele direto ou indireto, é que a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta, nos termos preconizados pelo art. 167 do CPP.

Elemento subjetivo:

O elemento subjetivo constante do caput do art. 121 do CP é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de matar alguém. O agente atua com o chamado animus necandi ou animus occidendi.

Admite-se que o delito seja cometido a título de dolo direto ou eventual.

Pode ocorrer, portanto, o homicídio, tanto a título de dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo graus, como eventual.

Obs: A fórmula criada, ou seja, “embriaguez + velocidade excessiva = dolo eventual” não pode prosperar. O CP não adotou a teoria da representação, mas sim a da vontade e a do assentimento. Exige-se, portanto, para a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite, não se importando realmente com a sua ocorrência.

Com isso queremos salientar que nem todos os casos em que houver a fórmula “embriaguez + velocidade excessiva” haverá dolo eventual. Também não estamos afirmando que não há possibilidade de ocorrer tal hipótese. Só a estamos rejeitando como uma fórmula matemática, absoluta.


Modalidades comissiva e omissiva:

Pode o delito ser praticado comissivamente, quando o agente dirige sua conduta com o fim de causar a morte da vítima, ou omissivamente, quando deixa de fazer aquilo a que estava obrigado em virtude da sua qualidade de garantidor (crime omissivo impróprio).


Homicídio privilegiado:

O §1º, do art. 121 do CP cuida do chamado homicídio privilegiado. Trata-se de uma causa especial de diminuição de pena, aplicada às hipóteses nele previstas.

O mencionado parágrafo cuida de duas situações distintas. Na sua primeira parte, a minorante será aplicada quando o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral. Na segunda parte, age sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.

Embora a lei diga que o juiz pode reduzir a pena, não se trata de faculdade do julgador, senão direito subjetivo do agente em ver diminuída sua pena, quando o seu comportamento se amoldar a qualquer uma das duas situações elencadas pelo parágrafo.

a) Motivo de relevante valor social ou moral → Primeiramente, o motivo que impeliu o agente a praticar o homicídio deve ser relevante. Relevante valor social é aquele motivo que atende aos interesses da coletividade. Ex: a morte de um traidor da pátria, no exemplo clássico da doutrina. Relevante valor moral é aquele que, embora importante, é considerado levando em conta os interesses do agente. Ex: o pai que mata o estuprador de sua filha; as hipóteses de eutanásia também se amoldam à primeira parte do §1º do art. 121 do CP.

b) Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima → Quando a lei penal usa a expressão “sob o domínio”, isso significa que o agente deve estar completamente dominado pela situação. Caso contrário, se somente agiu influenciado, a hipótese não será de redução de pena em virtude da aplicação da minorante, mas tão somente de atenuação, face a existência da circunstância prevista na alínea „c‟, do inciso III, do art. 65 do CP.

A punição daquele que atua sob o domínio de violenta emoção se compatibiliza com a regra contida no inciso I do art. 28 do CP, que diz não excluir a imputabilidade penal a emoção ou a paixão.

A expressão “logo em seguida” denota relação de imediatidade, de proximidade com a provocação injusta a que foi submetido o agente.

Finalmente, merece destaque, também, a locução “injusta provocação”. Prima facie, devemos distinguir o que vem a ser injusta provocação, que permite a redução de pena, da chamada injusta agressão, que conduzirá ao completo afastamento da infração penal, em virtude da existência de uma causa de justificação, vale dizer, a legítima defesa. Já tivemos oportunidade de salientar, quando do estudo da legítima defesa, que é importantíssima: a distinção entre agressão injusta e provocação. Isso porque se considerarmos o fato como injusta agressão caberá a argüição da legítima defesa, não se podendo cogitar da prática de qualquer infração penal por aquele que se defende nessa condição; caso contrário, se entendermos como uma simples provocação, contra ela não poderá ser alegada a excludente em benefício do agente, e ele terá que responder penalmente pela sua conduta.


Homicídio qualificado:

É importante frisar, nessa oportunidade, que o §2º do art. 121 do CP prevê uma modalidade de tipo derivado qualificado. Quer isto significar que todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias, e não como elementares do tipo. Tal raciocínio se faz mister pelo fato de que o art. 30 do CP determina: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Dessa forma, embora duas pessoas possam, agindo em concurso, ter causado a morte de alguém, uma delas poderá ter praticado o delito impelida por um motivo fútil, não comunicável ao co-participante.

Entendemos que, toda vez que os tipos penais estiverem ligados entre si pelos seus parágrafos, estaremos sempre diante dos chamados tipos derivados, e não de delitos autônomos.

I - Motivos: Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; motivo fútil:

A lei penal aponta que tanto a paga quanto a promessa de recompensa são considerados motivos torpes. Torpe é o motivo que contrasta violentamente com o senso ético comum. A paga é o valor ou qualquer outra vantagem, tenha ou não natureza patrimonial, recebida antecipadamente, para que o agente leve a efeito a empreitada criminosa. Já na promessa de recompensa, o agente não recebe antecipadamente, mas sim existe uma promessa de pagamento futuro.

Afirmamos que a paga e a promessa de recompensa não necessitam possuir natureza patrimonial. Parte da doutrina se posiciona contrariamente a esse entendimento. Trazemos à colação as lições de Luiz Regis Prado: “Questiona-se se a recompensa visada limita-se à retribuição de ordem econômica ou se o legislador também albergou, no presente dispositivo, a contraprestação sem valor patrimonial. Predomina o entendimento segundo o qual a recompensa deve ter, para a configuração da qualificadora, conteúdo econômico. Acertada a posição dominante que considera que a paga ou a promessa de recompensa devam ter conteúdo econômico. Pode o juiz, porém, avaliar o motivo não-econômico quando da fixação da pena-base (art. 59, CP)”. Ainda, com relação à promessa de recompensa, merece destaque o fato de que o agente responderá por esse delito mesmo que não a receba após o cometimento do crime e ainda que o mandante não tivesse a intenção, desde o início, de cumpri-la. A raiz do homicídio está na motivação, razão pela qual, ainda assim, o delito será qualificado.

Se existiu a paga ou a promessa de recompensa, é sinal de que alguém pagou ou prometeu a vantagem para que outra pessoa praticasse o homicídio. Existem, portanto, sempre dois personagens pelo menos: mandante e executor. Deverá o mandante responder, também, pelo homicídio qualificado pelo simples fato de ter prometido vantagem para que alguém o praticasse? Entendemos que não. Isto porque, como já esclarecemos acima, todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias. Aquele que recebe a paga ou aceita a promessa de recebimento da vantagem para que pratique o homicídio, o faz por um motivo torpe. Pode ser, inclusive, que o mandante possuía um motivo de relevante valor moral, que não se confundirá com aquele que motivou o executor a cometer o homicídio.

O inciso II do §2º do art. 121 do CP prevê, também, a qualificadora do motivo fútil. Fútil é o motivo insignificante, que faz com que o comportamento do agente seja desproporcional. Motivo fútil é aquele onde há um abismo entre a motivação e o comportamento extremo levado a efeito pelo agente.

A doutrina aponta, ainda, para o fato de que crime sem motivo não se configura motivo fútil. Nesse sentido, afirma Damásio de Jesus: “se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não incide a qualificadora, nada impedindo que responda por outra, como é o caso do motivo torpe”.

Com a devida vênia das posições em contrário, não podemos compreender a coerência desse raciocínio. Tal fato não passou despercebido por Fernando Capez, quando afirmou que “matar alguém sem nenhum motivo é ainda pior do que matar por mesquinharia, estando, portanto, incluído no conceito de fútil”.

Tratando-se de homicídio com duas ou mais qualificadoras, como veremos mais à frente, poderá qualquer uma delas servir para qualificar a infração penal, sendo que as demais serão utilizadas como circunstâncias agravantes, no segundo momento de aplicação da pena, determinado pelo art. 68 do CP.

II - Meios: Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum:

Tudo aquilo que for considerado meio insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum qualificará o homicídio, a exemplo das hipóteses mencionadas expressamente pelo inciso III (veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura).

De acordo com a interpretação que se faz do mencionado inciso III, quando a lei faz menção à sua fórmula genérica, usa, inicialmente, a expressão “meio insidioso”, dando a entender que o veneno, para que qualifique o delito mediante esse meio, deverá ser ministrado insidiosamente, sem que a vítima perceba que faz a sua ingestão. Caso contrário, ou seja, caso a vítima venha a saber que morrerá pelo veneno, que é forçada a ingerir, o agente deverá responder pelo homicídio, agora qualificado pela fórmula genérica do meio cruel. Se a vítima sabe se trata de substância venenosa e a ingere sob coação, a insídia é substituída pela crueldade e a qualificação persiste.

A tortura também encontra-se no rol dos meios considerados cruéis, que têm por finalidade qualificar o homicídio. Importa ressaltar que a tortura, qualificadora do homicídio, não se confunde com aquela prevista pela Lei n. 9.455/97. Qual a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do delito de homicídio e a tortura com resultado morte prevista pela Lei n. 9455/97? A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 121, é tão-somente um meio para o cometimento do homicídio. É um meio cruel de que se utiliza o agente, com o fim de causar a morte da vítima. Já na Lei n. 9.455/97, a tortura é um fim em si mesma. Se vier a ocorrer o resultado morte, este somente poderá qualificar a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualificada pelo resultado morte é um delito eminentemente preterdoloso.

III - Modos: À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido:

O inciso IV do §2º do art. 121 do CP também se valendo do recurso da interpretação analógica, assevera que a traição, a emboscada, a dissimulação ou qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido também qualificarão o homicídio.

IV - Fins: Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime:

Isso significa que, toda vez que for aplicada a qualificadora em estudo, o homicídio deverá ter relação com outro crime, havendo, outrossim, a chamada conexão.

Diz-se teleológica a conexão quando se leva em consideração o fim em virtude do qual é praticado o homicídio. Será considerada teleológica a conexão de outro crime se o homicídio é cometido para que se assegure a execução de um crime futuro.

Conseqüencial é a conexão em que o homicídio é cometido com a finalidade de assegurar a ocultação ou a vantagem de outro crime. Aqui o delito de homicídio é praticado com vistas a ocultar, assegurar a impunidade ou a vantagem de um crime já cometido.

Com relação às qualificadoras contidas no inciso V em exame, devem ser ressaltadas as seguintes indagações:

a) Se o agente comete o homicídio com o fim de assegurar a execução de outro crime que, por um motivo qualquer, não vem a ser praticado, ainda deve subsistir a qualificadora? Sim, haja vista a maior censurabilidade do comportamento daquele que atua motivado por essa finalidade.

b) Se o agente comete o homicídio a fim de assegurar a ocultação ou a impunidade de um delito já prescrito, também subsiste a qualificadora? Sim, pelas mesmas razões apontadas acima.

c) Se o agente pratica o homicídio para assegurar, em tese, a impunidade de um crime impossível, segundo Damásio, “a qualificadora subsiste, uma vez que o Código pune a maior culpabilidade do sujeito, revelada em sua conduta subjetiva”.

d) E se o homicídio é cometido com o fim de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de uma contravenção penal? Em virtude da proibição da analogia in malam partem, não se pode ampliar a qualificadora a fim de nela abranger, também, as contravenções penais, sob pena de ser violado o princípio da legalidade em sua vertente do nullum crimen poena sine lege stricta, podendo o agente, entretanto, dependendo da hipótese, responder pelo homicídio qualificado pelo motivo torpe ou fútil.


Competência para julgamento do homicídio doloso:

Pelo que se verifica através da alínea „d‟ do inciso XXXVIII do art. 5º da CR/88, o Tribunal do Júri é o competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, destacando-se dentre eles o homicídio, em todas as suas modalidades (simples, privilegiada e qualificada).

Questão importante a ser observada é a que diz respeito ao fato de não ser o latrocínio julgado pelo Júri, mesmo que a morte da vítima seja dolosa.

Merece observar que a CR/88 não impediu que outras infrações penais fossem submetidas a julgamento pelo Tribunal do Júri, mas tão-somente garantiu que os crimes dolosos contra a vida fizessem, sempre, parte desse rol, podendo o legislador infraconstitucional agregar-lhe outros delitos, ampliando-se, portanto, a sua competência.


Homicídio culposo:
Percebe-se que, no crime culposo, estamos diante da hipótese, como regra, do chamado tipo aberto. Na criação dos tipos penais, pode o legislador adotar dois critérios. O primeiro consiste na descrição completa do modelo de conduta proibida. Tal critério conduz à construção dos denominados “tipos fechados”. O segundo critério consiste na descrição incompleta do modelo de conduta proibida, transferindo-se para o intérprete o encargo de completar o tipo, dentro dos limites e das indicações nele próprio contidas. São os denominados “tipos abertos”, como se dá em geral nos delitos culposos que precisam ser completados pela norma geral que impõe a observância do dever de cuidado.
Outra característica de fundamental importância à configuração do delito culposo é a aferição da previsibilidade do agente. Se o fato escapar totalmente à sua previsibilidade, o resultado não lhe pode ser atribuído, mas sim ao caso fortuito ou à força maior.
Faz a doutrina distinção, ainda, entre a previsibilidade objetiva e a previsibilidade subjetiva. Previsibilidade objetiva seria aquela, conceituada por Hungria, em que o agente, no caso concreto, deve ser substituído pelo chamado “homem médio, de prudência normal”. Se, uma vez levada a efeito essa substituição hipotética, o resultado ainda assim persistir, é sinal de que o fato havia escapado ao seu âmbito de previsibilidade, porque dele não se exigia nada além da capacidade normal dos homens.
Além da previsibilidade objetiva, existe aquela outra, denominada previsibilidade subjetiva. Nesta, não existe substituição hipotética; não há a troca do agente pelo homem médio para saber se o fato escapava ou não à sua previsibilidade. Aqui, na previsibilidade subjetiva, o que é levado em consideração são as condições pessoais do agente, quer dizer, considera-se, na previsibilidade subjetiva, as limitações e as experiências daquela pessoa cuja previsibilidade está se aferindo em um caso concreto. Na precisa lição de Damásio: “não se pergunta o que o homem prudente deveria fazer naquele momento, mas sim o que era exigível do sujeito nas circunstâncias em que se viu envolvido”.

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